Para que ninguém sofra

Para que ninguém sofra

Naquele dia eu entrei no bar e pedi uma original e uma seleta. Sentei numa mesa que ficava na calçada, bem na esquina, embaixo da TV que passava um show de uma dupla sertaneja qualquer. Foi a conta. A hora que encostei a bunda na cadeira, vi um corpo voando lá de dentro, caindo com a cara na sarjeta. Um piscar de olhos depois e um copo cheio sai lá de dentro e atinge o corpo no chão.

O garçom surge às minhas costas, deixa a garrafa na mesa sem abrir, derruba meia dose da minha cachaça e sai correndo em direção ao corpo no chão. Dá uns tapas na cara do cidadão que está completamente apagado. Sem reação. Eu abro a garrafa com meu isqueiro BIC e vou me servindo sem tirar os olhos da cena. O garço insiste, agora com tapas mais fortes. Nada. Dou um gole bem longo, de esvaziar o copo americano. Nada ainda. Sirvo mais um e dou um bico na cachaça.

“Campeão! Por favor!”. O garçom continua tentando reanimar o corpo que, na minha cabeça, já não tem mais alma. Tento novamente. “Amigo! Aqui, por favor!”. Faço até um gesto com as mãos. Nada. Eu tento não me incomodar muito quando sou ignorado porque tenho o costume de ignorar as pessoas também. Mas, porra, ele tinha derrubado metade da minha dose de Seleta e tava dando atenção pra um sujeito que não estava consumindo no bar. É ou não é pra deixar qualquer um puto?

Virei o copo de breja e fui saindo. O garçom me chamou. Fiz que não ouvi e continuei. Quando dobrei a esquina, uma espécie de parede se colocou no meu caminho. Curvei a cabeça bem alto e não conseguia enxergar nada além dos pelos em suas narinas. Elas abriam e fechavam velozmente. Eu sentia o ar que ele expirava balançando meu pouco cabelo. Ouvi algo como a voz de Deus. “Onde vai?”, a voz disse. Eu ajeitei as calças surradas e passei a mão no cabelo enquanto pensava em alguma resposta. “Vou mudar de mesa”, disse. “Não suporto ver as pessoas sofrendo. Sabe o que aconteceu com ele?”. E assim saí vivo daquela birosca pra nunca mais voltar.


Este conto faz parte da série de publicações escrita por Aldo Jr, na editoria Mesa de Bar.