Do Fim

Do Fim Aldo Junior

Eu já estava lá sentado há algumas horas quando ela finalmente apareceu. Estava com o rosto avermelhado, um ar esbaforido, respirando depressa. Olhou pra mim e fez cara de nada. Deve ter reparado nos dois copinhos de dose de Seleta já vazios. Ela insiste em dizer que não gosta que eu beba e eu insisto em dizer que não há o que fazer sobre isso.

Levantei e dei-lhe um beijo. Ela encostou a cabeça no meu pescoço e beijou minha nuca. Sentou-se. Pediu um copo pro garçom e me olhou. Os olhos cansados e tristes.

  • O que houve?
  • O de sempre. Não aguento mais. Acho que preciso largar tudo, sair daqui, desse emprego, dessa vida.
  • De mim.
  • Não. Você pode continuar.
  • Eu não sei se devo. Acho que você se prende aqui demais e isso também é problema meu.
  • Não, estou dizendo. Você não precisa sair. Quem precisa sair sou eu.

O garçom trouxe o copo e uma cerveja cheia. Esvaziou a garrafa nos dois copos e colocou a nova na camisinha. Saiu e ela continuou.

  • Estou me sentindo muito mal comigo mesma. Me sinto infeliz e incompetente. Não sou boa no que faço.
  • Baby, você é um arregaço em tudo o que faz. Principalmente na cama.
  • Estou falando do trabalho.
  • Deixa essa porra pra depois. Precisamos dele, eu sei. Eu preciso mais do seu emprego que você, na verdade.
  • Você está aqui porque eu vim.
  • Eu estou aqui porque eu quero.

Encho o copo. Ela me olha. Dou um gole longo e esvazio tudo. Ela pega a garrafa e se serve. Peço outra Seleta.

  • Para de beber. Amanhã ainda é quarta.
  • Amanhã será sábado.
  • Sábado?
  • Sim. Perdi o emprego, honey. E foi por isso que cheguei tão cedo nessa merda de bar e já tomei isso tudo aí de pinga.
  • Puta que pariu!
  • Preciso mais do seu emprego que você.
  • O que a gente faz?
  • Simplesmente segue adiante. É o que fazemos?
  • Mas eu não aguento mais!
  • Ok. Podemos voltar e tentar de novo em São Paulo…
  • Não! Eu não quero voltar pra lá.
  • Nem eu, então o lance é seguir adiante. Eu me recoloco.
  • Você não tá afim de se recolocar…
  • Não estou. Eu queria passar o dia aqui sentado, com o notebook no colo, escrevendo sem parar pra sempre.
  • E quem vai bancar isso tudo?
  • Eu preciso mais do seu emprego que você, baby.
  • Você é um filho da puta!
  • Eu sou. Um maldito filho da puta que escreve alguns bons versos e cadernos inteiros de merda.
  • Eu te amo.
  • Eu também te amo, baby.

Estico o braço. O garçom se aproxima e ela belisca meu braço assim que peço outra Seleta.


Este conto faz parte da série de publicações escrita por Aldo Jr, na editoria Mesa de Bar.